Muitas vezes, pessoas criadas sem muito recurso e sem nenhum
direito, passam pela vida de cabeça baixa, se contentando em ver os pés de
outros seres e consequentemente aprende a ver coisas perdidas ou sobejos caídos
de alguma mesa, como cita um verso bíblico sobre comer os restos de uma mesa
farta.
Acabou o carnaval e nem pensativa estou... Todavia um fato
de meu passado arranhou minha memória e esta aqui dançando a minha frente, por
isso vou compartilhar.
Eu tinha um pouco mais de onze anos, morava em um bairro
pobre da cidade fria de Teresópolis, região serrana do RJ. Éramos seis filhos,
eu a mais velha; façam as contas ai: minha mãe tinha um filho a cada dois anos.
Nossa casa era um quadrado de tabuas, por telhado folhas de zinco. Os cômodos
eram divididos por moveis e pedaços de algum tecido. Não tínhamos sequer um
banheiro ou uma cozinha dentro de casa, na verdade nem tínhamos um banheiro
desses com pia, vaso e chuveiro. O casal dormia na companhia da filha caçula ainda
bebê, enquanto os demais dividiam o inimaginável. Minha mãe contra vontade de
meu pai havia começado a trabalhar como faxineira em algumas mansões da cidade.
Por conta do trabalho dela, muitas discussões acontecia o tempo todo. Eu
cuidava da casa, cuidava bem dos cinco irmãos, prestava atenção aos horários da
escola, dos banhos, das refeições para impedir meu pai de nos espancar a cada
vez que ele chegasse e minha mãe não estivesse em casa.
Sempre fui boa em tudo que me coubesse como
tarefa, ainda sou. Mas na verdade eu era uma menina triste, infeliz pela falta
de carinho, zelo e demonstração de afeto. Nesse tempo de carnaval, minha mãe
estava em casa, mas não era bom, pois meu pai também estava: sinal de conflitos o tempo todo. Não havia aulas;
portanto eramos forçados a ficar dentro de casa sem direito a sequer brincar lá
em baixo na rua. Logo na quarta feira minha mãe e meu pai iam trabalhar bem
cedinho, eu deixava as crianças dormindo, entrava no primeiro ônibus e ia ao
Parque Regatas, bem no centro da cidade e por la eu andava toda avenida em busca de
algum paetês, lantejoulas ou restos de alguma fantasia. Olhava com atenção(ja acostumada a manter o olhar baixo era fácil
) para o
chão procurando algum resquício de um sonho ali deixado. Isso só era possível
por ser muito cedo e a rua quase não apresentar movimento por ter sido fechada
para o carnaval de rua. Sempre voltava para casa apertando forte no bolso do
casaco os tesouros adquiridos. De volta em casa, as cinco crianças ainda
dormiam, eu me metia no catre onde dormia e no meu canto alimentava meu mundo
de fantasia bem escondido, pois se meus pais soubessem de alguma forma, eu teria que voltar na
cidade de deixar tudo exatamente onde os encontrara.
Hoje tenho quase cinquenta e dois anos e já não vivo de
olhar baixo, muito menos procuro restos de sonhos de outros, aprendi a sonhar e a realizar os meus. Não
sou refém emocional de ninguém e muito menos alimento vitimismos. Não sou
dependente afetiva de ninguém, nem de marido ou filhos. Sou uma cria da vida.
Uma sobrevivente sem paciência para perda de tempo. Nunca tive vergonha daquela nossa casa de
madeira,sem banheiro e emprestada do irmão do meu pai.
Mas o carnaval pra mim não é um mistério e meu sonhos não
são pedaços encontrados por ai. Hoje já não somos mais seis irmãos, há um ano
somos cinco. Não sou mais uma menina triste. Sou uma mulher pronta para
enfrentar a vida real depois do carnaval.
Foi lembrando dessa historia que temia ter que passar pela
cidade de Teresópolis nesse carnaval, eu iria, sorriria e não revelaria a ninguém meus fantasmas...
Esse foi um carnaval bem programado, iríamos
passar dias felizes ao lado dos amigos mais chegados que irmãos. Dividiríamos o
espaço, a comida, a bebida e somaríamos afetos; estivesse onde estivéssemos os
cinco. Porém de repente tudo mudou depois de um telefonema definindo a minha volta
com o par antecipada. Apesar de termos casa própria em uma cidade do RJ , aqui em Pasárgada moramos de aluguel e o senhorio que mora em MG, resolveu vir
a Pasárgada cuidar da renovação do contrato de aluguel e algumas modificações
no mesmo. Era vir encontra-lo ou nos sujeitarmos à possibilidade de nos mudar
em três meses, era essa a vontade do senhorio até o ultimo momento. Com o coração apertado por
interromper algo tão almejado como era estarmos juntos em família até a quarta
feira de cinzas, voltamos na segunda de carnaval, sete horas de uma viagem
complicada. O encontro entre meu marido e o senhorio foi tenso, ficando para
terça feira a palavra final. Bem preocupados ainda, adormecemos antes do
escurecer na segunda de carnaval. Eu acordei às três da manhã, tomando ciência da
preocupação de quem presta atenção na gente, mas não deveríamos preocupa-los com
questões ainda suspensas. O par somente acordou às onze horas dessa terça feira
de carnaval. Otimistas já acreditávamos na solução positiva para nossa questão,
à tarde tudo serenou e pudemos respirar aliviados.
Parece preocupação excessiva, mas ficar morando ainda esse
ano onde estamos já há seis anos nos dará a tranquilidade para executar alguns
projetos em andamento. Na verdade, de alguma forma me vi por alguns momentos desses últimos dias como a menina que apertava os pedacinhos
de sonho no bolso: confesso temi ter de voltar para morar no RJ, coisa sem aceitação em mim.
Finalmente nessa terça feira tivemos um final feliz para a
questão que nos roubou a feliz convivência com os amigos mais chegados que
irmãos e nos trouxe de volta a Pasárgada às pressas.
Gosto de lembrar de minha historia como fiz no inicio desse
artigo.
Porem gosto muito mais de saber que tenho lindos amigos mais
chegados que irmãos responsáveis por parte da força de viver que me sustenta e
me conduz a cada novo passo.
O carnaval passou, é verdade.
A vida segue é fato... mas sempre sem abrir mão de viver entre meus sonhos e
delírios
Catiaho Alc.
Como tem coisas na vida que marcam né?
ResponderExcluirAinda bem que vc vivenciou e não se vitimizou perante as situações.
A vida é assim as lutas vem para gente crescer.
bjokas =)
Pois é Bell, mas é bom olhar o passado da forma que olho:sem sofrer.
ExcluirÉ uma historia sem desejo de reprise para ninguém.
Quando compartilho é mesmo para apontar uma saída para alguém
em situação próxima que porventura me leia aqui.
Bjins e adoro sua presença.
Catiaho Alc.
Os amigos são a riqueza da vida e as nossas experiências nos preparam para o dia a dia. Uma triste bela história que te preparou para a vida, sem vitimismos como tu mencionaste.
ResponderExcluirGrande abraço!
Sonia
Há uma frase boa de Nietzsche (se não estou enganada :" O que não nos mata, nos fortalece".
ExcluirNa verdade ele a fala na primeira pessoa....
Bjins e obrigada por ler aqui sempre,
me deixa contente de não escrever em vão.
Catiaho Alc.
"Hoje tenho quase cinquenta e dois anos e já não vivo de olhar baixo, muito menos procuro restos de sonhos de outros, aprendi a sonhar e a realizar os meus. Não sou refém emocional de ninguém e muito menos alimento vitimismos. Não sou dependente afetiva de ninguém, nem de marido ou filhos. Sou uma cria da vida..."
ResponderExcluirOi Cathia!
Li seu post...
E viajei com ele.
Menina, apesar dos pesares da infância de antigamente, onde tudo era apertado, contado e dividido, tenho certeza que as crianças eram mais felizes do que agora!
Os pais antigos eram frios, talvez, porque os mesmos foram educados assim.
Eu mesma tenho dificuldade com relação ao tato em meus filhos...
Regras existiam e eram cumpridas à risca, sei disso.
Mas a gente tinha um bom senso que, hoje, as crianças não cultivam.
Porque são mal educadas e mimadas, com rara exceção.
Lembro-me que um belo dia, minha mãe e eu entramos numa loja de roupas infantis.
Ela desejava comprar algumas calças de sarja com bordado nos bolsos.
Geralmente eram as peças que eu usava em casa.
Enquanto ela escolhia os modelos, pois naquele tempo não tínhamos a liberdade de dizer o que queríamos, e também agradeço quanto a isso, porque reconhecíamos o nosso lugar na hierarquia familiar, eu ficava a observar uma calça de veludo, vermelha, exposta na parede da loja.
Fiquei apaixonada pela calça de veludo, mas sabia que minha mãe não podia comprá-la.
Em nenhum momento questionei embora ficasse triste.
Naquele tempo, as crianças e contentavam com as bolachas sem recheio e a jarra de limonada que a mãe servia aos amiguinhos, na hora das brincadeiras.
Ninguém reclamava ou exigia, apenas aceitava de bom grado.
Nem por isso somos adultos problemáticos, amargos ou coisa parecida, não é?
Cathia, se você autorizar, gostaria de colocar no meu blog, esse trecho copiado no meu comentário.
Meu espaço é um balaio de gatos.Tem de tudo um pouco.
Mas é assim que vejo a vida, uma enorme colcha de retalhos, retalhos que representam partes da vida das pessoas que admiro!
Quanto ao lance da casa, isso é "café pequeno" em comparação à sua linda família!
Bjksss
Mulher, confesso ter me feito chorar com seu comentário limpo e sem disfarces.
ExcluirSim autorizo a usar o que desejar desse blog.
Confesso ter lindos filhos, bem formados, bem educados e felizes em suas vidas
tanto pessoal quanto profissional,
afirmo sem medo de errar que essa família de três pessoas que
são mais que amigos são responsáveis por muito de meu equilíbrio
e de minha auto estima sempre quando acordo e tenho muito trabalho
a executar em cada dia meu.
Achei ser impossível existir amizade assim, mas existe!
Nos amamos sem cobranças desnecessária e isso tem nos bastado.
Bjis e obrigada por me ler assim
tão de perto.
Bjins e bjins
Catiaho Alc.
Cathia,
ExcluirDigo o mesmo de minha família: Marido, dois filhos, genro e um monte de gatos e uma cachorrinha veia.
Penso que nunca devemos ter vergonha de nossas raízes, vivências e sofrimentos.
Eles existiram, impossível apagá-los, mas a vida continua!
Só fui entender realmente o meu pai, quando pude refletir na sua infância, mocidade e na sua vida adulta.
Não cobro mais nada...
Ele nunca me batera, mas nossa relação sempre foi problemática, pois desafiava-o.
E também com o tempo, passei a crer em outras coisas que me deram as respostas certas!
O fato é que tenho uma família legal, engraçada e unida.
O fato é que meu velho pai está vivo e não cultivo mais nenhuma mágoa.
Ele está com 93 anos e ainda me surpreende no bom sentido!
Acho que o tempo fez bem a ele... E a todos nós...
Ah, publiquei um trechinho d que comentou aqui, lá no meu Blog.
Está bem à direita, abaixo da Lista de Membros, tá bom?
Muito obrigada por compartilhar e autorizar a publicação de sua vida no meu espaço!
Lindo dia!
Bjksss
muchas gracias!!!!, algunos piensan, que soy muy soberbia, obviamente me parecen, coleccionistas de fracasos!!!!
ResponderExcluirtu blog es igualemente hermoso, muy buena música, bello post!
un saludo
lidia-la escriba
www.nuncajamashablamos.blogspot.com
Passo para lhe agradecer a companhia no meu espaço e lhe dizer que tudo aqui é bonito . Seu depoimento neste post mostra do que ê capaz uma mulher forte e sensível . Fico contente por tê-la conhecido e espero que continuemos nos visitando . Beijos
ResponderExcluirBem vinda sempre querida!
ExcluirBjins
Catiaho Alc.